O dilema tributário das empresas de software no Brasil
Diretor jurídico da ABES (Associação Brasileira de Empresas de Software), Manoel Santos, explica as ações da entidade na defesa da tributação do setor pelo ISS
O diretor jurídico da ABES (Associação Brasileira de Empresas de Software), Manoel Antonio dos Santos, em entrevista exclusiva ao GBrasil, explicou os caminhos e as ações da entidade na defesa da tributação do setor. O fato é que alguns estados vêm classificando o software como um produto, sujeito ao recolhimento de ICMS. O entendimento tem gerado algumas autuações fiscais e embates judiciais entre estados e empresas de software, que sempre recolheram ISS e entendem lidar com serviços, e não produtos. O cenário torna-se cada vez mais extenso e complexo a partir do uso de tecnologias de streaming, jogos eletrônicos e serviços em nuvem. Em meio ao conflito de entendimento, estados que deixam claras suas regras e oferecem segurança jurídica ao setor, parecem ganhar a preferência dos investimentos das desenvolvedoras de software, segundo o advogado.
Por Diva de Moura Borges
O software, sob o ponto de vista jurídico, é um produto ou um serviço?
É um serviço por definição da Lei do Software, editada em 1998, que traz em seu artigo 9, o uso de programa de computador no País como objeto de contrato de licença. Ele também é um serviço por definição da Lei Complementar 116, editada em 2003, que enumera quais são os serviços tributados pelo ISS. Nos itens 1.04 e 1.05 está claro: “elaboração de programas de computadores, inclusive de jogos eletrônicos (software feito sob encomenda) e “Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação” (software desenvolvido para uso geral).
O que a ABES e seus associados defendem em termos de tributação para o software?
Que estados e municípios respeitem a Lei, tomando por base dois artigos da Constituição: o 155, que diz que os estados podem cobrar impostos sobre circulação de mercadorias e o artigo 156, que dá competência aos municípios de criar impostos sobre serviços listados em lei complementar. Esta Lei Complementar, a 116 de 2003, estabelece que quando uma operação é fato gerador do ISS, os estados não podem cobrar ICMS sobre essa mesma operação, ainda que esse serviço exija o fornecimento de uma mercadoria.
E por que alguns estados estão autuando e multando empresas de software?
Alguns estados impulsionaram o Confaz – o conselho que reúne os 27 secretários de fazenda do País e regula as questões envolvendo ICMS – a editar dois convênios (o 181/2015 e o 106/2017) conferindo poder aos estados de reduzir a cobrança do ICMS a 5% do valor da nota fiscal nas operações de software. Com essa artimanha jurídica, eles passaram a sustentar e subetender que quem tem poder de reduzir, tem direito de tributar e exigir a cobrança do ICMS nas operações de software. Mas um convênio não tem força de lei; ele é apenas norma administrativa. Foi essa criação jurídica fantasiosa proveniente do convênio do Confaz que gerou esse pseudo-fundamento jurídico para que alguns estados passassem a exigir a cobrança de ICMS nestas operações. Os estados entenderam que poderiam criar leis e decretos sobre esse assunto.
Perante essa situação, qual foi a postura e a orientação da ABES aos seus associados?
Fizemos imediatamente um boletim jurídico mostrando as razões pelas quais o setor entende que o tributo devido é o ISS. Demos fundamentação jurídica para eventuais diálogos com a fiscalização e aconselhamos que continuassem a recolher o tributo devido: o ISS. Orientamos que não fizessem nenhum recolhimento de ICMS e não atendessem obrigações acessórias que envolvam o ICMS. Além disso, iniciamos um diálogo com os entes federativos no sentido de reivindicar edição de normas que deem segurança jurídica às empresas de software, sem riscos de autuações.
Como essas medidas protetivas funcionariam na prática?
Consistiria em os estados editar normas deixando claro que o tributo devido pelas empresas de software é o ISS, pelo menos até que o STF decida algumas ações que lá tramitam e diga se quem tem razão são os estados ou os municípios. A Sefaz do Espírito Santo, por exemplo, recentemente nos recebeu para uma palestra de esclarecimento e está empenhado na regulamentação de uma norma sobre o assunto.
Nesse momento, nenhuma desenvolvedora de software vem recolhendo valores em juízo?
O nosso aconselhamento foi de que ninguém recolha ICMS em operações de venda de software. Não temos notícia de nenhum associado que venha recolhendo esses valores.
A ABES reúne também desenvolvedoras de jogos eletrônicos, aplicativos e serviços de streaming ou somente as fabricantes de softwares empresariais?
Todos os desenvolvedores, inclusive os internacionais, como IBM, Microsoft, softwares customizados, serviços de implantação, revendas, distribuidores. São 1.059 associadas e 951 conveniadas. Importante destacar que a ABES tem 80% do mercado de software e que também existem outras entidades congêneres.
O Estado de Santa Catarina é considerado exemplar nesse quesito tributação de software. O que eles fizeram de bom e o que eles têm ganhado com essa postura?
Substancialmente, a lei de Santa Catarina deixa claro que nas hipóteses das atividades previstas da lista de serviços – tanto na elaboração como no licenciamento de direito de uso – são atividades típicas de prestação de serviços, sujeitas ao ISS. Nas hipóteses em que incide o Imposto Sobre Serviços não pode ser exigido o ICMS. Ela deixa claro ainda que somente pode ser exigido ICMS quando software for passível de ser revendido pelo proprietário a terceiros. Ou seja, o sujeito adquire uma cópia com direito a revender essa cópia. Ao longo de mais de 20 anos, essa lei de Santa Catarina, a de nº 8.289, foi substituída por outras normas editadas no estado, mas as novas normas sempre preservaram o essencial, qual seja: “não incide ICMS sobre saída ou fornecimento de programas para computador, personalizados ou não, exceto em relação ao valor dos suportes informáticos”.
Seria quando o software é vendido na em mídia e embalado?
A lei não deixa claro isso. Numa leitura transversal dessa lei estadual, pode ser que um juiz entenda que quem faz download de um software – em casos específicos de obtenção de direito de propriedade – , também possa revendê-lo. Mas a grande maioria das operações hoje é feita na modalidade de assinatura, com mensalidade e cessão temporária de direitos de uso. Mesmo nos casos em que o usuário baixa a cópia do software, não se caracteriza a propriedade. É simplesmente uma licença de uso.
Ou seja, a maioria das operações é como um aluguel de software?
Exatamente.
O senhor acha que os estados que se manifestarem claramente, por meio de normas, no sentido de não cobrar o ICMS sobre softwares, serão potencialmente domicílio dessas empresas, assim como vem acontecendo em Santa Catarina?
Sim. Porque é simples e fácil. Não é como uma montadora de automóveis. A única coisa que uma empresa de software precisa para se mudar de um estado para outro é ter uma disponibilidade de comunicação eficiente, boa rede de internet. Em 1991, foi publicada em Santa Catarina a lei 8.289 que declarou a não incidência de ICMS sobre software. Isso provocou uma debandada de empresas de software para lá, motivadas pela segurança jurídica. Acreditamos que este é um dos fatores de SC ter se tornado esse “Vale do Silício” brasileiro.
Entre os eventos prementes que podem influenciar esse entendimento jurídico no País sobre essa questão, quais os senhor destacaria? Ou seja, quais sentenças são mais aguardadas pelo mercado?
Em São Paulo, uma ação do Sindicato das Empresas de Informática tem uma decisão favorável do Tribunal de Justiça de São Paulo, considerando inconstitucional um decreto estadual que estabelece a cobrança de ICMS sobre software. As empresas filiadas a esse sindicato têm agora essa segurança jurídica de que não serão abordadas pela fiscalização. Mas o que pode ser definitiva é uma manifestação do Supremo Tribunal Federal. Tramitam ali três ações diretas de inconstitucionalidade e mais um recurso extraordinário sobre essa matéria. Mas elas ainda não estão na pauta de julgamento do STF; uma previsão otimista é de que essas ações sejam julgadas no primeiro semestre de 2020.
A nova reforma tributária pode resolver o problema?
Acredito que não. Para qualquer uma das duas que seja aprovada – tanto a do Executivo como a da Câmara e Senado –, teremos que conviver com um período de transição de 10 anos. E aí, continuaremos discutindo essa questão de ICMS x ISS. A manifestação do STF, por essa razão, é mais importante.